Não apresse o rio, ele corre sozinho
O que um livro nunca lido na estante me ensina sobre a vida e ativismo
Tem frases que, por virem de um local de presença profunda de outros seres, nos impactam profundamente. Falam direto com os locais de presença em nós. Os ensinamentos espirituais de todas as tradições têm esse poder. Por isso nos reviram; por isso, transformam as nossas vidas.
A frase do título é uma delas. Toda vez que passo por minha estante de livros, é ela que me salta os olhos, especialmente em dias que preciso muito do lembrete. O livro é da autora Barry Stevens que vai costurando suas experiências na Gestalt-terapia, no zen e nas perspectivas indígenas. Mas eu nunca li. Por ora, o título me basta.
Me basta porque às vezes me vêm um insight engraçado de que estamos pagando de bobos diante da vida com nossa arrogância de acharmos que nós é que temos que resolver o problema do mundo, quando mal conseguimos resolver nossos conflitos internos.
Ainda que nossa intenção pareça boa. Ainda que queiramos salvar a natureza de nós mesmos. Ainda que achemos que temos que limpar a bagunça que nós mesmos fizemos. Ainda assim, será que estamos olhando para isso do jeito certo?
O filósofo Bayo Akomolafe tem uma outra frase que me expande toda vez que leio: “Os tempos são urgentes. Precisamos desacelerar!”. Desacelerar, Bayo? As petroleiras vão acabar com o nosso planeta; só temos até 2030 para acabar com o desmatamento na Amazônia; a Antártica, em pouco tempo, pode não ser um continente habitável para os animais que hoje ali vivem. É, desacelerar, ele diz.
Tentar resolver o problema com a mesma mentalidade que o criou vai nos levar para o buraco de novo. Desacelerar é, então, uma rendição, um abrir mão dos nossos condicionamentos destrutivos, um voto de confiança de que a vida dará conta de si mesma, se pararmos de atrapalhar.
Será que algum dia a vida já precisou de nós para salvá-la? Ou o conflito externo é só um meio dela nos mostrar toda a bagunça que precisamos resolver dentro de nós?
Mas você pode me dizer que essa perspectiva nos faria deixar de olhar para as coisas importantes, para os problemas socioambientais e que não sou eu ou você; mas as empresas que precisam parar de estragar o mundo.
No entanto, o outro é terreno que eu não tenho controle. Que eu saiba, a vida só me cobra a conta das minhas próprias ações.
Mas seguimos produzindo aquilo que não queremos mais ver. A diferença é que é em nome de coisas que acreditamos ser boas. Dia a dia, geramos intolerância, violência e divisão em nome das nossas causas.
Por dentro, seguimos sofrendo, exauridos, esgotados de tanto lutar, lutar, lutar e não ver nada mudar. O modo luta é ótimo em alimentar nossos egos e pouco eficaz em mudar algo de fato. Mas nós temos dificuldade em abandonar essa identidade que tanto nos define.
Agora, o melhor que você pode oferecer para o mundo é a sua presença, à sua responsabilidade (habilidade de responder) aquilo que a vida pede de você no agora. E, talvez, o pedido não seja para encontrar a próxima solução sustentável para a produção de alimentos no Brasil. Mas ter compaixão por aqueles que você considera o inimigo, o lado errado da história.
O rio corre sozinho. A vida sabe o que fazer. A natureza não precisa de nós para se regenerar. Mas os nossos irmãos humanos precisam da nossa compaixão e compreensão. Eles, sendo amados e compreendidos, amarão e compreenderão também a natureza. Entrego-me, então, ao fluxo. Aceito minha pequeneza e, ao mesmo tempo, minha interdependência. Sou uma gota e sou o oceano.
A vida é grandiosa, mas não cabe excesso. Respiremos!