Nos últimos dias, recebi um monte de gente nova neste espaço que chamo de “Narrativas de um outro mundo”. Se você está entre essas pessoas, espero que sinta-se em casa para construir comigo a nossa própria arca de histórias sobre esses tempos instáveis ou, ainda, que contemos (para quem quiser ouvir) narrativas sobre um outro mundo, sobre um outro futuro possível. Como diria Eduardo Galeano:
Vivemos um mundo infame, eu diria. Não nos incentiva muito… Um mundo mal-nascido. Mas existe outro mundo na barriga deste. Esperando… E é um mundo diferente. Diferente e de parto complicado. Não é fácil o seu nascimento. Mas com certeza pulsa no mundo que estamos. Um outro mundo que “pode ser”, pulsando no mundo que “é”
Em meus estudos sobre futuros, tenho compreendido que especular sobre o mundo que pode ser nos ajuda a torná-lo cada vez mais num mundo que é. E talvez esse sempre tenha sido o objetivo da minha escrita: criar algo de concreto no terreno das incertezas e fazer disso objeto de sonho e de expansão da esperança. Destravar a imaginação para que um projeto opressor e futuro não se torne a única realidade esperada. Galeano continua:
E alguns me perguntam: “Mas o que vai acontecer?! E depois?! O que vai ser?!” E eu simplesmente digo o que nasce da minha experiência: Bom… Nada. Não sei o que vai acontecer. E não me importa o que “vai” acontecer. Me importa o que “está” acontecendo. Me importa o tempo que “é”. E o que “é” é o tempo que se anuncia sobre outro possível que acontecerá. Mas o que acontecerá no fim, não sei.
E ninguém sabe. Desapegar do resultado faz parte do processo de esperançar (agir enquanto sonha), informada pela vontade de mundos mais bonitos e acolhendo o não-saber inerente ao processo. Compartilho com vocês, então, alguns escritos sobre o que gosto de chamar de literatura de transição. Essa que você encontrará aqui e que me ajuda a dar conta do cá e lá, do abismo entre realidade e sonho que se impõe no agora:
Literatura de Transição
No espaço entre-histórias, entre o que somos e o que podemos ser, tem o “se tornando“. O se tornando é um lugar no tempo e no espaço habitado pela coexistência de estranhos
No sumak kawsay, o bem-viver quechua, seria o princípio da complementaridade. Já para os aimará, há o ch’ixi, onde os elementos se justapõe sem se misturarem, habitando a contradição, aceitando a divergência, sem se renderem ao acordo de paz aparente que a miscigenação propõe
Onde a indefinição é estado permanente das coisas, poderia a literatura dar conta de descrever este mundo em convulsão? O que morre? O que está nascendo?
O desafio da literatura é descrever essa vida-morte-vida enquanto ela acontece. É soltar exclamações de assombros e maravilhamento, porque “ah, olha o que se forma“ e já outra, outra e outra coisa. É tentar acompanhar a lava enquanto ela transborda. Sempre se perde algo. Sempre se capta o essencial (pois cada parte carrega um pouco do Todo)
A forma como contamos as histórias pressupõe um passado, um presente e um futuro. Mas o mundo em transição só parece se mostrar para uma linguagem não-linear, que não vai para frente nem para trás. Mas habita tais tempos com a sua presença transcendente e simultânea
A linguagem da transição é circular, espiralar… Sem começo nem fim, ela pode nos ajudar a traduzir os tempos vivos que atravessamos. “É preciso agir sobre o que ainda não existe, é preciso pôr em ordem que ainda não está em desordem“, segundo o Tao-Te King
Já Krenak diz que a vida tem a potência das surpresas. Escrever sobre a vida é se supreender o tempo todo, porque o que era, de repente, já não é mais. Viver é (continuamente) tecer sentidos.
Desejo que essas palavras te encontrem bem e façam sentido. Ou, ao menos, te façam sentir
Talissa Monteiro
A linguagem da transição é circular, espiralar… Sem começo nem fim, ela pode nos ajudar a traduzir os tempos vivos que atravessamos. “É preciso agir sobre o que ainda não existe, é preciso pôr em ordem que ainda não está em desordem“, segundo o Tao-Te King
Suas palavras fizeram sentido e me fizeram sentir um tantão! Obrigada por trazê-las ao mundo. <3
Sua palavras brilharam por aqui, obrigada <3